terça-feira, setembro 04, 2007

poesia















MEIO-DIA/MEU DIA

Na pele sinto o percurso das ondas,
Elástico e sólido, fermentado no sal
Mais amplo e tenso do que o périplo do sol
Que na sua mecânica o corpo reconhece.
E, no entanto, este vai-se gerando a si mesmo,
Em combustões prodigiosas de vida
A cada momento, até à placidez
Do tempo dos humanos que surge
Do meio-dia. São feitos de horas, contínuas, eternas,
Matizados pelo sangue, pelas curtas alegrias
Aqui, na ria, os dias. Hoje,
Na côncava luz que amacia a tarde
Meu dia, o coração e o dia rejubilam
E aguardam a lucidez da seda feita noite.

Armando Silva Carvalho
«Sol a Sol»
Assírio & Alvim
colecção: poesia inédita portuguesa

1 comentário:

Anónimo disse...

ARMANDO SILVA CARVALHO
[Olho Marinho, Óbidos, 1938)

Poeta, ficcionista e tradutor. Licenciado em Direito, pela Universidade de Lisboa, depois de uma passagem fortuita por Filosofia, Armando Silva Carvalho exerceu advocacia durante um curto período. Depois foi jornalista, professor do ensino secundário e técnico de publicidade. Hoje dedica-se quase em exclusivo à tradução e à consultadoria de publicidade. Oriundo do grupo que fez a Antologia de Poesia Universitária (1959?), ao lado de Ruy Belo, Fiama, Luiza Neto Jorge, Gastão Cruz e outros, estreou-se com Lírica Consumível (1965), que em 1962 havia recebido o Prémio Revelação da Sociedade Portuguesa de Escritores. Pode-se dizer que esse livro foi o começo de uma obra poética "construída com grande rigor de expressão e uma secura de ritmos e prosódia que manifesta na técnica de composição o essencial do seu significado" (Maria Alzira Seixo). A mordacidade, o sarcasmo e a figuração das pulsões sexuais, são timbre de uma escrita - poética e ficcional - frequentemente apostada na denúncia dos vários interditos e das hipocrisias sociais e políticas. Na ficção, por exemplo em Portuguex (1977), a subversão verifica-se "a todos os níveis da mitologia cultural lusíada e na tentativa de reformulação em termos simbólicos, os únicos próprios da escrita romanesca, de uma imagem interna da aventura nacional" (Eduardo Lourenço). Personalidade discreta da vida literária portuguesa, é autor de uma obra de grande coerência formal, centrada no radicalismo de algumas opções bem caracterizadas. A partir do início dos anos sessenta colaborou nas mais variadas publicações: Diário de Lisboa, JL, O Diário, Poemas Livres, Colóquio-Letras, Hífen, As Escadas Não Têm Degraus, Sílex, Nova, Limiar, Via Latina, Loreto 13, entre outras. Desde que António Ramos Rosa o incluiu na 4ª série das Líricas Portuguesas (1969), chamando a atenção para o facto de a sua poesia ser "essencialmente antilírica e refractária a todas as formas de expressão subjectiva", Armando Silva Carvalho tem estado representado na generalidade das antologias de poesia portuguesa. Entre as suas traduções mais relevantes, devem citar-se obras de Beckett, Duras, Cesaire, Voznesensky, Genet, E. E. Cummings, Aleixandre e Mallarmé. Até Alexandre Bissexto (1983) assinou Armando da Silva Carvalho.

(in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. VI, Lisboa, 1999)